Em entrevista exclusiva ao Terra, o escritor afirma que renúncia de Bento XVI desagradou setores conservadores da Igreja Católica
Adepto da Teologia da Libertação, desautorizada e
perseguida por Bento XVI quando prefeito da Congregação para a Doutrina
da Fé, o escritor Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, vê
poucas chances para uma grande reforma na Igreja Católica após a escolha
do novo papa. Segundo o religioso, apesar de renunciar, Bento XVI terá
grande influência na escolha de seu sucessor, que dificilmente tocará em
temas polêmicos da Igreja enquanto o papa renunciante estiver vivo. Na
opinião de Frei Betto, a renúncia do Sumo Pontífice pode abrir um
importante precedente. "Daqui em diante, haverá sempre pressão para o
papa renunciar. Basta desagradar uma das tendências católicas", previu.
Durante a ditadura militar, Frei Betto foi preso por
duas vezes por sua militância em movimentos pastorais e sociais. Foi um
dos organizadores das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e, na década
de 1970, aproximou-se do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então
líder sindical. No auge da repressão aos sindicatos do ABC paulista,
conheceu Dom Cláudio Hummes, um dos cinco cardeais brasileiros que
participarão do conclave para a escolha do novo papa. Na época
responsável pela diocese de Santo André, Dom Cláudio abriu as portas das
igrejas para as assembleias sindicais, proibidas pelo governo.
Em entrevista exclusiva ao Terra, Frei
Betto falou sobre a trajetória de Dom Cláudio e os principais desafios
que aguardam o futuro papa, que, segundo ele, será jovem e provavelmente
europeu. "Será um verdadeiro milagre a eleição de um não europeu",
projetou o escritor. Leia, a seguir, a seguir a íntegra da entrevista.
Terra - Como o senhor recebeu a notícia da renúncia de Bento XVI?
Frei Betto - Surpreso. Foi um gesto de grande humildade.
Desagradou os conservadores da Igreja Católica. Daqui em diante haverá
sempre pressão para o papa renunciar. Basta desagradar uma das
tendências católicas.
Terra - O senhor acredita que a decisão de
renunciar ao posto, por parte de Bento XVI, pode propiciar uma mudança
de postura da Igreja Católica com relação a temas polêmicos, como o
celibato, o homossexualismo, os métodos contraceptivos e as pesquisas
com células-tronco?
Frei Betto - Acho duas coisas: será
eleito um cardeal com menos de 73 anos. O eleito, ainda que
progressista, não tocará em nenhum desses temas enquanto Bento XVI
estiver vivo.
Terra - Quais os principais desafios do futuro papa?
Frei Betto - São três: implementar as decisões do Concílio Vaticano II (encontro
convocado pelo papa João XXIII, que entre 1962 e 1965 debateu formas de
atualizar as doutrinas da Igreja à contemporaneidade); abrir o
debate sobre a moral sexual, pois ainda hoje os casais católicos só
podem ter relações sexuais se houver intenção explícita de procriação; e
dialogar com os avanços da ciência, como células troncos e fertilização
de embriões.
Terra - Especula-se que o novo papa possa ser
africano ou latino-americano, regiões que concentram boa parte dos
católicos no mundo. Alguns analistas, porém, indicam favoritismo a
cardeais italianos. Qual o seu palpite?
Frei Betto - Será um europeu. A Igreja é demasiadamente eurocentrada. Será um verdadeiro milagre a eleição de um não europeu.
Terra - Caso o novo papa não seja europeu, que importância isso terá, em sua opinião, nos rumos da Igreja Católica?
Frei Betto - Não importa a origem geográfica do novo papa, e sim sua cabeça teológica e política.
Terra - Qual o perfil ideal de um candidato a papa no contexto atual?
Frei Betto - Menos de 70 anos, poliglota, disposto a abrir a Igreja ao debate dos temas polêmicos.
Terra - O senhor conviveu com Dom Cláudio Hummes
quando ele era responsável pela Diocese de Santo André. Quais as
principais características que contam a favor de Dom Cláudio em uma
eventual indicação a papa?
Frei Betto - Seria um excelente papa, pois tem
sensibilidade social, não teme os assuntos polêmicos, sabe dialogar,
entende esse mundo pós-moderno. O problema é que o principal cabo
eleitoral do conclave, Bento XVI, não tem simpatia por ele.
Terra - Em 2005, Dom Cláudio era apontado como
um dos favoritos para substituir João Paulo II, mas acabou preterido por
Bento XVI. O senhor acredita que ele pode ter alguma influência maior
no conclave que se aproxima?
Frei Betto - A influência maior será do papa renunciante
que, com certeza, soprará aos cardeais quem ele considera capaz de
assumir o leme da barca de Pedro. E Dom Cláudio e Ratzinger não
coincidem em suas posições.
Terra - Como foi a relação de Dom Cláudio com o movimento sindicalista na década de 70?
Frei Betto - Exemplar. Apoiou o movimento sindical,
recusou o pedido da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo) de servir de intermediário entre o capital e o trabalho, abriu as
igrejas do ABC às assembleias operárias depois que o sindicato foi
ocupado pela polícia.
Terra - Em entrevista concedida à revista Época
em 2005, o senhor lembra que Dom Cláudio foi a primeira pessoa para
quem telefonou para avisá-lo de que Luiz Inácio Lula da Silva havia sido
preso. Como foi este episódio? Dom Cláudio intercedeu?
Frei Betto - Eu estava na casa do Lula, como amigo e
segurança improvisado, na manhã em que ele foi preso. Liguei para Dom
Cláudio, que, imediatamente, agiu em defesa de Lula e dos sindicalistas
presos.
Terra - Como é a sua relação com Dom Cláudio atualmente? Vocês seguem em contato?
Frei Betto - Tenho grande apreço por ele, mas há tempos não nos vemos.
Terra - Bento XVI foi um ferrenho opositor da
Teologia da Libertação. O senhor acredita que agora, com sua saída, os
ideais de Gustavo Gutiérrez e Leonardo Boff ganham novo fôlego na
Igreja?
Frei Betto - Tudo depende do novo papa.
Terra - Por fim, qual a importância de Dom Cláudio para a Igreja Católica? E para o Brasil?
Frei Betto - Foi sempre um bispo
sensível às questões operárias, ao mundo do trabalho, dentro da linha de
opção pelos pobres. Foi bispo de Santo André, arcebispo de Fortaleza,
cardeal de São Paulo, prefeito, em Roma, da Congregação dos Bispos. Tem
tudo para ser um excelente papa. Pior para a Igreja se não eleger um
homem como ele.
Fonte: http://noticias.terra.com.br/mundo/europa/renuncia-do-papa/frei-betto-daqui-em-diante-havera-sempre-pressao-para-o-papa-renunciar,77207dc91230d310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html
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