Por Patrícia Campos Mello, enviada especial da Folha à Tanzânia
Quando Josephat Torner nasceu, em um
vilarejo na Tanzânia, os vizinhos aconselharam sua mãe a matá-lo com
veneno. “É um bebê albino, isso é uma maldição, livre-se dele”,
disseram. A mulher se recusou.
Mais tarde, quando Josephat ia começar a
estudar, a professora não queria aceitá-lo. Tinha medo de que ele
“contaminasse” os demais com albinismo, distúrbio genético que causa
falta de pigmentação na pele e não é contagioso. Na classe, as crianças
sentavam longe dele.
Aos 32 anos, casado e com dois filhos,
Josephat perdeu a conta de quantas vezes escapou da morte. Ele circula
por Dar es Salaam, principal cidade da Tanzânia, em uma caminhonete
Nissan 2008 branca com vidros pretos. Os vidros escuros o protegem da
luz do sol e de tentativas de assassinatos.
Nos últimos seis anos, pelo menos 72
albinos foram assassinados na Tanzânia. Muitos tanzanianos acreditam que
albinos tenham poderes mágicos e que rituais de bruxaria usando partes
do corpo de pessoas com albinismo tragam sorte ou riqueza.
Alguns acreditam que os rituais são mais
eficientes se a vítima grita durante a amputação, então os braços,
olhos e genitais normalmente são extraídos de pessoas vivas. Muitos
creem que os albinos não morrem, eles simplesmente desaparecem.
Além disso, homens com HIV raptam meninas com albinismo na crença de que estuprá-las possa curar a Aids.
Segundo relatório da ONU publicado há
três semanas, “um cadáver de albino completo, incluindo braços, pernas,
genitais, orelhas, língua e nariz, custa US$ 75 mil [R$ 163 mil]” na
Tanzânia.
Entre os compradores estão pescadores
que usam pedaços do corpo em suas redes para garantir uma boa pescaria,
mineradores que moem os ossos de albinos para achar riquezas, políticos
que querem um amuleto para ganhar eleições e empresários de olho na
sorte grande.
A ONU diz que a Tanzânia, que tem cerca
de 200 mil albinos (0,4% da população), é o país com mais ataques. Em
seguida vêm Burundi, Quênia, República Democrática do Congo,
Suazilândia, África do Sul e Moçambique.
IMPUNIDADE
Apenas cinco pessoas foram condenadas pelos 72 assassinatos de albinos na Tanzânia nos últimos seis anos.
“Há gente graúda por trás dos
assassinatos, políticos que encomendam partes de albinos para fazer
rituais e tentar se eleger”, diz Josephat, que é ativista da Sociedade
de Albinos da Tanzânia.
“É preciso descobrir onde está o
mercado: quem encomenda os pedaços de albinos? Enquanto não descobrirem,
os crimes vão continuar.”
“Há poucas condenações, porque todos
esses rituais são secretos e é muito difícil achar provas para condenar
os assassinos de albinos”, diz Alshaymaa Kwegyir, primeira deputada
albina da Tanzânia, nomeada pela Presidência do país africano.
Diante da impunidade, as pessoas com albinismo na Tanzânia vivem com medo.
“Eu nunca ando sozinha à noite, só
caminho por ruas movimentadas e não falo com quem não conheço”, diz
Zakia Matimbwa, 37, que é albina e tem dois filhos com albinismo. “Nós
simplesmente não podemos nos movimentar livremente como as outras
pessoas”, afirma.
A ONU acredita que a maioria dos ataques não é registrada por causa do medo dos familiares de vítimas.
Logo após o pico de assassinatos, em
2009, o governo cassou a licença de todos os feiticeiros do país, que
precisam dessa autorização para atuar. Muitos praticantes de magia negra
dizem ser herbalistas, médicos tradicionais que usam remédios naturais.
Mas um ano depois, pouco antes das
eleições, o governo revogou a medida, que era muito impopular. Segundo o
Pew Research Institute, cerca de 60% dos tanzanianos acreditam em magia
negra.
O governo criou nove abrigos para
proteger albinos no país, principalmente perto do lago Vitória, onde
ocorre a maioria dos ataques.
Crianças com albinismo ficam internadas nesses abrigos e muitas vezes nem voltam mais para casa.
Mas especialistas são contra os abrigos,
acham que os albinos precisam ser integrados na sociedade para diminuir
os preconceitos.
A albina Judica Lyamboko, 28, está
aprendendo a costurar para arrumar um emprego que não seja na
agricultura, debaixo do sol o dia inteiro. Ela só estudou até a escola
primária, porque não conseguia enxergar direito, outro problema
associado ao albinismo.
O maior sonho de Judica é se casar. Mas
ela acha que vai ser difícil alguém que não tenha albinismo se apaixonar
por ela. “Os pais de alguém normal nunca permitiriam o casamento com
uma albina.”
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A jornalista PATRÍCIA CAMPOS MELLO é bolsista do International Reporting Project da Johns Hopkins University.
Fonte: http://racismoambiental.net.br/2013/10/albinos-sao-alvo-de-mutilacoes-e-assassinatos-em-paises-africanos/
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